A arte de conduzir uma conversa

Saiba como dar ao outro a chance de contar histórias e não apenas apresentar respostas monossilábicas.

Em uma viagem de Uber, fui surpreendida por um motorista muiiiiiito interessado na minha história. Ele não parecia querer conversar, mas me INTERROGAR e essa é uma das piores experiências durante uma interação e mostra a falta de entendimento sobre a arte de conduzir uma conversa.

A primeira pergunta já foi um pouco constrangedora: ‘esse endereço pra onde você vai é o seu local de trabalho?’ Eu levei alguns segundos pra responder, porque pensei: ‘por que ele quer saber isso?’ e senti que reagi negativamente ao questionamento.

E como percebi minha emoção, decidi escolher um dos caminhos:

– ‘ou travo a conversa aqui, não respondo mais nada e ainda fecho a cara’, ou
– ‘tento entender se as perguntas têm caráter investigativo e podem me colocar em risco ou se é só um jeito meio torto de iniciar um papo’.

Entendi que era isso mesmo: ele não conhecia uma maneira de conversar sem constranger o interlocutor – e nem pensava que pudesse estar agindo assim – e até confessou que, antes de ser motorista de aplicativo, era bastante tímido. ‘Depois que eu comecei a prestar serviço com o Uber, eu me soltei mais e agora já consigo conversar com as pessoas’, revelou o rapaz um pouco ansioso.

As perguntas que ele fez ao longo do caminho vinham uma atrás da outra e é claro que isso não fez fluir a conversa naturalmente. Então, eu coloquei em prática a estratégia da reversão do discurso e levava todas as respostas para outro lugar, se eu julgasse que não valia a pena me aprofundar. Ou seja, falei mais do meu trabalho do que de mim (fiz meu comercial), porque não somos amigos e eu não tinha que revelar detalhes da minha vida pessoal pra ele.

O ensinamento que essa história quer despertar é:

Você sabe puxar um papo sem colocar o outro numa cilada e ‘obrigá-lo’ a responder o que ele não quer?

Nesse artigo eu vou te mostrar como usar as perguntas certas para fazer a conversa fluir e a relação crescer, se for o caso. É que eu imagino que você já deve ter tentado iniciar um papo que não rendeu e concluiu que era melhor ficar calado.

A falta de contrapartida, ou seja, da resposta do outro pode eliminar a continuidade de uma relação. Quando o seu interlocutor só consegue responder: ‘é’, ‘não’, ‘talvez’, ‘quem sabe’, ele pode estar querendo dizer duas coisas:

1. “Eu não quero conversar, porque não estou com vontade agora” (isso é totalmente legítimo e precisa ser respeitado, afinal, ninguém é obrigado a conversar 24 horas por dia com cada um que aparece querendo falar);

2. “Não me sinto bem conversando com você, porque tenho receio do que vai pensar de mim” (esse sintoma é muiiiito comum em pessoas que ainda tem baixa autoconfiança pra se expor).

Se você perceber (e, pra isso, tem que olhar o outro) que é possível ajudar o outro a se manifestar, é importante que saiba conduzir uma conversa com respeito para contribuir com um relacionamento saudável e atraente. E, claro, é fundamental, perceber se não está sendo invasivo (do verbo invadir).

Perceba que a palavra respeito está em destaque, porque não se trata só de você ou dos seus desejos e curiosidades, mas do espaço do outro. Estamos considerando que no ambiente da conversa existe alguém além de você. E, para olhar o outro e tentar ler o que ele pensa ou sente é preciso se doar.

TODA COMUNICAÇÃO É DOAÇÃO

Quando você se comunica, compartilha algo com o outro e busca algo dele para aprender e crescer como pessoa, portanto É UMA TROCA. Por isso, um bombardeio de perguntas não faz sentido.

O processo se dá assim:

Você faz a primeira pergunta e liga os botões da percepção para entender: ‘como ele recebeu a pergunta?’, ‘o semblante dele mostrou o quê pra mim?’, ‘a resposta dele foi ampla, consistente ou objetiva e seca?’. A partir daí você segue. Essa análise mostra que você está em sintonia com o outro. Nesse momento, você já está praticando a empatia, parabéns!

Em seguida, você pode testar formas de perguntar. Testar, Aurea? ‘Mas, você não vai me dar o caminho?’, talvez você se pergunte. Sim, vou sugerir o roteiro, e isso não é uma receita. Nada na comunicação pessoal é um passo a passo perfeito, porque não se trata apenas da técnica, mas do comportamento, da percepção e de tudo o que envolve a relação, e você não tem controle sobre o comportamento do outro.

Conhecendo os tipos de perguntas disponíveis, você pode fazer as opções. Pra te ajudar nisso vou compartilhar a técnica dos 5Ws e 2Hs, utilizada para a construção de um Planejamento Estratégico e também pelo jornalista quando redige uma matéria.

O QUÊ  |  QUEM  |  ONDE  |  QUANDO  |  POR QUE  | COMO  |  QUANTO

A pergunta que começa com POR QUE é mais inquisitiva, é a que pode provocar maior constrangimento e travar a fala do outro. Eu vivi essa situação muitas vezes no tempo em que era repórter de tv, até perceber que eu poderia mudar a forma de perguntar para extrair mais elementos da resposta do outro. Por exemplo:

Imagine que você busca esclarecimento a respeito da ação de alguém: pode ser um funcionário, se você é o chefe; o motorista, se você é o policial rodoviário; o filho, se você é mãe ou pai; o parceiro em qualquer conversa; o entrevistador de RH se o momento é a seleção de um novo colaborador, etc.

Agora, pergunte:

– ‘POR QUE você fez isso?’

Se a situação é incômoda e a hora é a de dar uma satisfação, essa pergunta pode congelar. É o mesmo que estar sendo pressionado contra a parede. Mas, também pode ser uma situação positiva, sem pressão, em que o outro é convidado a falar mais sobre o tema e vender uma ideia.

Então, experimente mudar a forma de perguntar:

– ‘O que motivou você a fazer isso?’,
– ‘Como você chegou a esse resultado?,
– ‘Quanta energia você teve que dispensar pra fazer isso?’,
– ‘Quando ou em que momento você percebeu que era a hora de fazer isso dessa forma?

Encaixe isso no tema de uma conversa, fazendo as devidas adaptações, e perceberá que as perguntas listadas acima dão muito mais chances de conseguir respostas mais elaboradas do que simplesmente um POR QUE. Além do mais, pelo caráter desse por que, talvez a resposta seja: ‘não sei’, ‘não consigo pensar em nada’, ou seja simples e objetiva demais sem apresentar a verdadeira história que pode convencer e encantar.

E você também pode ser quem responde e aproveitar melhor as oportunidades de transmitir sua mensagem, vender sua marca e atrair mais oportunidades. A técnica vale também para situações de entrevista jornalística, como as que estão publicadas no meu livro “Backstage”. Uma das orientações do meu programa de Media Training é a produção de respostas consistentes.

Você topa tentar? Me conte os resultados, tá?

Aurea Regina de Sá

Aurea Regina de Sá é jornalista e coach de comunicação, especializada em Media Training.