Boa Vista, 11 de março de 2022 – Arepa, hallacas ou pastel: os lanches mais tradicionais da Venezuela se misturam aos sabores brasileiros na lanchonete de Lucia Astudillo e Rosa Hurtado. Elas, que entraram no Brasil cruzando as perigosas trilhas informais entre Santa Elena de Uairén e Pacaraima, fizeram de Boa Vista (capital do Estado de Roraima), seu novo lar para um futuro com mais segurança.
Frente às dificuldades em obter a documentação necessária para um emprego formal durante a pandemia, as duas cozinheiras decidiram empreender. Começaram seu negócio em um terreno emprestado, com duas mesas, quatro cadeiras e um pequeno fogareiro.
“Nós capinamos o terreno, compramos o material inicial e decidimos, com coragem, colocar todo nosso tempo e dedicação para fazer dar certo”, conta Lucia Astudillo.
Antes de estruturar o negócio, Lucia e Rosa participaram de aulas de empreendedorismo oferecidas pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) em parceria com o Serviço Jesuítas para Refugiados e Migrantes (SJMR).
Nas aulas, aprenderam como desenvolver um plano de negócio, incluindo aspectos legais e a gestão de recursos materiais. Também viram conceitos essenciais de precificação, estratégia de vendas e técnicas de marketing.
Após concluírem o treinamento e com um plano de negócios já elaborado, a dupla recebeu do ACNUR os materiais necessários para expandir o empreendimento, que incluiu uma fritadeira industrial, mesas e cadeiras, louças e insumos alimentícios.
“Estamos prosperando. Alguns meses são melhores, outros nem tanto. Mas temos nossa vida, nossa casa e pagamos nosso aluguel. As crianças [filhos de Rosa, de 9 e 11 anos], vão à escola, têm uniforme e material escolar. Essa pequena venda de alimentos significa muito para nosso futuro”, diz Lucia.
Na semana do Dia Internacional da Mulher, é importante recordar que as barreiras de gênero no mercado de trabalho são principalmente sentidas por mulheres refugiadas e migrantes em todo o mundo.
Um estudo realizado pelo ACNUR em parceria com ONU Mulheres e UNFPA identificou que as mulheres venezuelanas em Roraima possuem quase três vezes maior probabilidade de estarem desempregadas, além de terem uma renda média mais baixa.
“Os papéis de cuidados do lar e das famílias são por muitas vezes responsáveis por afastá-las de oportunidades de emprego. Iniciativas de empreendedorismo permitem a abertura do mercado e autonomia financeira de mulheres”, explica Rebeca Duran, assessora de soluções duradouras do ACNUR em Roraima.
Crescimento econômico em Roraima – Dados recentes divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelaram que, durante o período de intensificação do fluxo venezuelano, o estado de Roraima registrou crescimento econômico acima da maioria dos outros estados do país. Em 2019 o Produto Interno Bruto (PIB) do estado fronteiriço cresceu em 3,8%, um dos maiores do Brasil naquele ano.
No mesmo período, a economia de Roraima registrou diversificação econômica com crescimento de seus setores. Pesquisa realizada por meio de uma parceria entre FGV-RJ e ACNUR revelou que a entrada de pessoas refugiadas e migrantes teve relação direta no aumento do índice de diversificação econômica, outra tendência não observada em outras regiões.
Uma mulher venezuelana que faz parte do crescimento econômico de Roraima foi Elizabeth Monrroy, que na Venezuela trabalhava como assistente social, mas no Brasil resolveu criar um negócio próprio.
Em Boa Vista desde 2019, e inspirada pelo trabalho de outras venezuelanas empreendedoras, Elizabeth começou a plantar e vender mudas e sementes em feiras e pontos comerciais da cidade.
Com o sucesso das vendas, Cristian, seu marido, resolveu deixar o emprego de garçom e apoiá-la na atividade. A maioria das plantas vendidas por Cristian e Elizabeth – alecrim, manjericão, arruda, boldo e outras plantas medicinais – é cultivada na casa de familiares no interior de Roraima. Hoje, com uma loja física, a floricultura “Elizabeth Plantas” vende flores e mudas de árvores plantadas pela família, além de adubo e acessórios de jardinagem.
“Ao possibilitar que as mulheres tenham sua própria renda, o empreendedorismo feminino de refugiadas e migrantes se torna uma potência para a integração total e prevenção a diferentes tipos de violência ou exclusões sociais”, reforça Rebeca Duran.
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