Foco na pessoa, tarefa do educador

Gilberto Alvarez Giusepone Jr. (*)

No dia 21 de março foi celebrado o Dia Internacional da Síndrome de Down e no dia 2 de abril celebrou-se o Dia Mundial do Autismo. São datas de referência que, cada qual a seu modo, promovem a valorização dos esforços inclusivos que têm se ampliado em direção às pessoas com deficiências.

Embora sejam iniciativas importantes, tais datas se referem à Síndrome de Down ou ao Autismo, e não às pessoas. Dessa maneira, opera-se, mesmo que involuntariamente, a uma despersonalização da pessoa deficiente, fazendo-se abstração de um problema real.

É importante registrar que o universo das deficiências tem sido objeto de lutas políticas na sociedade e de expressivo interesse por parte da comunidade acadêmica, cujas pesquisas vêm mostrando que esses problemas devem ser enfrentados em uma perspectiva mais ampla, além de um ponto de vista puramente médico.

No que tange às lutas políticas, isso se refere ao fato que desde a década de 1980, no Brasil, e desde a década de 1970, no Reino Unido, na Holanda e nos Estados Unidos, o tema dos direitos civis mobilizou também o grande contingente das pessoas com deficiências, ocupando as arenas públicas para a militância de sujeitos constantemente “apagados”, “invisibilizados” que passam a exigir reconhecimento no âmbito dos direitos e não apenas no universo das ações filantrópicas.

Quanto ao enfoque acadêmico, isso diz respeito ao fortalecimento de novas pesquisas que passaram a analisar a “construção social” das deficiências, ou seja, que passaram a demonstrar que mesmo a mais severa limitação não pode ser considerada apenas com referências orgânicas, sendo fundamental compreender como o cenário em que cada pessoa se encontra possui elementos “deficientizadores”.

Para deixar isso mais claro, é interessante lembrar dois exemplos usados nos debates nos Estados Unidos e na França.

Nos EUA circulou com intensidade o argumento de um homem que nasceu sem o pé direito e que se referiu a si como alguém que nasceu com uma característica com potencial debilitante, mas que ele foi “deficientizado” quando se deparou com a primeira escada.

Já na França inúmeras vezes foi recuperado um argumento segundo o qual a escola, com seus tempos e medidas, com suas lógicas homogeneizadoras e avaliações, é também uma grande produtora de deficiências.

Qual a diferença analítica que esses exemplos suscitaram?

Percebe-se um deslocamento de perspectiva. As deficiências deixam de ser analisadas exclusivamente como déficits orgânicos e passam a ser pensadas levando em consideração o “modo de viver”.

É claro que há situações muito específicas que variam de caso para caso, mas é importante reconhecer que o universo das deficiências tem sido considerado quase que exclusivamente relacionado aos parâmetros médicos e clínicos de definição e encaminhamentos.

Nesse sentido, a educação foi responsável por sensível ampliação no foco e no modo de compreender a questão.

A educação inclusiva proporcionou avanços em relação aos esforços historicamente acumulados no âmbito da educação especial.

Justamente porque reconheceu que, por exemplo, a surdez tem um sentido e a experiência de ser surdo tem outro, o mesmo valendo para qualquer limitação sensorial, foi que a educação inclusiva passou a representar não somente os direitos educacionais das pessoas com deficiências, mas também a defender a mudança no foco.

A força crítica da educação inclusiva está na percepção de que as tarefas devem se adaptar às pessoas e não o contrário.

Além disso, a educação inclusiva oferece elementos para que se leve em consideração a construção das identidades, ou seja, a reconhecer que ninguém se reduz às patologias e que nas situações concretas é que percebemos porque, em relação aos demais, características corporais se tornam desvantagens.

Se a educação especial acumulou méritos procurando entender o específico de cada corpo, a educação inclusiva avançou no sentido de lembrar que mesmo a mais complexa especificidade não retira de ninguém a sua universalidade humana.

É por isso que é importante celebrar tais datas e extrair de seu capital simbólico possibilidades de ampliar direitos e aperfeiçoar ações.

Mas é importante, acima de tudo, deslocar o foco para a pessoa, tarefa primordial dos educadores.

(*) Diretor do Cursinho da Poli e presidente da Fundação PoliSaber.