Por Gilberto Giusepone (*)
Num cenário que anuncia expressivas perdas no campo social, as reformas trabalhista e previdenciária propostas pelo governo têm uma personagem que poderá, ao final, ser reconhecida pelas mutilações que sofreu. Esta personagem é a educação.
Na década de 1930, na Itália, ativistas que combatiam a ascensão do fascismo costumavam repetir o seguinte refrão: “aquilo que causa um problema não pode ser sua solução!”
A frase é perfeitamente aplicável ao Brasil de hoje, que ensaia estruturar a educação e a carreira docente com base em pressupostos que precarizam ambas.
A educação tem sido objeto de constante ingerência empresarial, tornando-se objeto de interesse de grandes conglomerados que têm sistematicamente mercantilizado o setor com estratégias que passam conectar o ensino superior privado à bolsa de valores e que terminam na celebração do pacto por terceirização das atividades fins das escolas.
A mercantilização da educação se encontra com a precarização da atividade docente quando a estratégia que torna o segmento altamente rentável se revela.
Ou seja, a rentabilidade está associada à “necessária” desprofissionalização da atividade docente, reduzindo-a à condição de intermediária entre sistemas de ensino e alunos.
Completamente “programável”, essa mão de obra se torna, também, completamente substituível e dispensável.
Esse contexto se mistura com os retrocessos que estão em andamento no âmbito da estruturação jurídica da educação.
É necessário lembrar que a MP 756/16, que propôs a Reforma do Ensino Médio, sinalizou um desmonte do setor sem incluir no debate professores e pesquisadores da área.
Novamente, aquilo que causa um problema não pode ser a sua solução.
O ensino médio tem escassez de especialistas em muitas áreas e disciplinas. Muitas delas são ministradas por professores que não têm formação específica e que se valem das possibilidades que a lei oferece tanto ao estudante quanto ao diplomado no ensino superior. Apenas cerca de 50% de professores têm habilitação correspondente às disciplinas para lecionar no ensino médio, e com grandes variações regionais.
As fragilidades dessa situação foram enfrentadas com a proposta de ampliar a presença de profissionais sem habilitação. Estamos no reino da improvisação. É comum que disciplinas como química, física, filosofia, sociologia e artes, por exemplo, sejam ministradas por docentes de outras áreas.
No atual momento, a improvisação corre o risco de tornar-se medida modernizadora e não tardará a aparecer o pronunciamento oficial que garantirá que tudo poderá ser resolvido com a presença de materiais norteadores daquilo que o aluno “precisa aprender a despeito de quem esteja ensinando”.
Esse deslocamento do foco, do professor para o material, somado à presença de estratégias de terceirização não é novo, tampouco exclusividade do Brasil. Trata-se de um cenário internacional que tem globalizado a desprofissionalização da atividade docente.
Na ótica de quem aplica tais medidas, a educação e a atividade docente não estão sendo precarizados, mas “ajustados” ao mercado.
No curto prazo, é provável que escolas demitam professores, para em seguida procurarem docentes por meio de empresas terceirizadas.
Esses profissionais terão menores salários e pouca ou nenhuma garantia de manter os direitos historicamente conquistados, como a bolsa de estudos, o adicional extraclasse e as férias coletivas em janeiro.
Outro aspecto a ser levantado é o risco de grande perda da base sindical dos professores e desorganização da categoria.
Não é à toa que a terceirização tem relações profundas com a reforma trabalhista em andamento.
A conjugação dessas duas medidas terá efeito enorme na carreira do magistério. A questão é, além de econômica, política, segundo o historiador e professor da Unicamp Fernando Teixeira da Silva, autor do livro Trabalhadores no Tribunal: Conflitos e Justiça do Trabalho em São Paulo no Contexto do Golpe de 1964.
“[A reforma trabalhista] na verdade é um projeto muito mais político, porque com ele se fragiliza todo tipo de instituição consolidada, seja os sindicatos, a Justiça do Trabalho, que foram fortalecidas durante décadas”, afirma o estudioso. “O que está por trás disso é manter uma insegurança permanente, estrutural, entre os trabalhadores”, conclui.
“Eu vejo, nesta reforma, uma total desregulamentação. Vão faltar professores”, diz Maria Izabel Noronha, da Apeoesp. “A reforma é um ‘desconvite’ a permanecer no sistema”.
Por isso tudo, a próxima sexta-feira, 28 de abril, será marcada por mais um conjunto de greves de escala nacional.
Surpreende a muitos que professores de escolas privadas estejam anunciando adesão e solidariedade aos professores das escolas públicas.
Pois não deveria surpreender.
O tamanho do estrago que as reformas trabalhista e previdenciária e da Lei da Terceirização Irrestrita causarão lembrarão que os professores das escolas públicas e privadas são, antes de tudo, protagonistas da classe trabalhadora.
(*) Diretor do Cursinho da Poli e presidente da Fundação PoliSaber.