O desmonte da educação

Por Gilberto Alvarez Giusepone Jr. (*)

Poucos anos atrás, o Brasil era reconhecido internacionalmente pelo seu esforço em reduzir os índices de pobreza e também pelo inédito protagonismo que estava assumindo em âmbito global. Agora, um ano após um golpe parlamentar que emasculou a nossa democracia, o País passa pelo vexame de ser objeto de pronunciamentos por parte da Organização das Nações Unidas (ONU). Esses pronunciamentos demonstraram, pela contundência, o declínio da credibilidade das instituições brasileiras que estão presentes na arquitetura do Estado, particularmente no que diz respeito ao tema educação.

Nada menos que 17 países estão pressionando o Brasil a tomar providências adequadas tendo em vista a preocupante situação em que se encontra o Plano Nacional de Educação (PNE).

As políticas econômicas em processo de implementação têm sido criticadas pelo caráter regressivo de seus resultados, reiterando a percepção daqueles que denunciam que o país está vivendo um destrutivo movimento de desmanche.

Esse desmanche é inspirado num radicalismo neoliberal que explicita a força dos que defendem a mutilação da esfera pública como arena da edificação de uma sociedade democrática.

É consenso entre os países que pressionam o Brasil a opinião de que nós não temos mais políticas educacionais.

É por isso que a pressão feita torna-se mais e mais denúncia de que o PNE corre risco considerável.

Em termos de conteúdo, causou enorme indignação a censura praticada em relação a temas relacionados às questões de gênero e sexualidade.

O Plano Nacional de Educação foi homologado em 2014 e, embora reconhecesse desde o princípio que algumas metas representavam desafios estruturais de grande porte, não se supunha que sua continuidade pudesse ser objeto de suspeita.

Tampouco seus conteúdos, ainda que controversos, não inspiravam preocupações, algo que somente um cenário regressivamente conservador tornou possível.

No desmonte em curso, está se diluindo ações de Estado em ações de governo.

Algumas instâncias da estrutura educacional brasileira, como o INEP, por exemplo, eram até pouco tempo apontadas como exemplo de que políticas de Estado não se confundiam com as dinâmicas governamentais que têm continuidades e descontinuidades originadas nos processos eleitorais.

A estruturação contínua de processos de avaliação e o aperfeiçoamento na lógica de acesso ao ensino superior são exemplos de ações pautadas no reconhecimento de que as ações de Estado não podem ser descartadas por conveniência governamental.

Pois neste momento a comunidade internacional denuncia que o governo brasileiro está pondo em risco o Plano Nacional de Educação à medida que o governo se mostra desinteressado e descomprometido com o andamento de políticas que foram aprovadas e legitimadas como ações de Estado, incompatíveis com revisões de ocasião.

No cômputo das ações que estão esvaziando o PNE chama atenção o descumprimento da meta de universalizar o acesso à educação infantil e o ensino médio. A primeira, cada vez mais sujeita às propostas privatizantes, o segundo sendo objeto de uma reforma com grande potencial desfigurador.

A educação infantil é tema da meta número um do PNE e o ensino médio é tema da meta número três.

Os críticos internacionais percebem que já as primeiras metas estão entrando em colapso.

Já no âmbito da educação de jovens e adultos e das estratégias para diminuição na taxa de analfabetismo do Brasil, as denúncias indicam um verdadeiro desmanche, desmanche esse que se associa ao processo de enfraquecimento das licenciaturas.

O Brasil está sendo apontado como lugar em que o magistério está sendo desprofissionalizado.

A situação em que se encontra a meta número 15, que é a que se refere aos temas do analfabetismo e das licenciaturas, diz respeito a uma concatenação entre União, Estados e Municípios, demonstra que a crítica faz todo sentido.

O PNE apresenta metas desafiadoras, mas necessárias e insubstituíveis como, por exemplo, as metas 18 e 19 que abordam a democratização da gestão escolar.

Aliás, essa questão está no centro dos pronunciamentos internacionais que têm interpelado o governo brasileiro em termos educacionais.

As controvérsias provocadas pelo modo como o Ministério da Educação interveio no ensino médio foram claramente percebidas e estimularam questionamentos. Aos representantes dos governos na ONU somaram-se ativistas que denunciam o viés conservador do projeto em andamento.

Esse viés também está presente na percepção que têm esses críticos estrangeiros de que o acesso ao ensino superior no Brasil poderá retrair-se, interrompendo um ritmo de democratização crescente dos últimos anos.

O temor se amplia com a constatação de que as premissas de reformulação do ensino médio retomaram o princípio de que parte da população jovem “não deseja” acesso ao ensino superior e busca profissionalização precoce.

É um argumento usado à exaustão nas décadas de 1960 e 1970 e que se supunha superado, mas que volta a assombrar a educação brasileira.

É necessário agradecer aos que de fora se pronunciam em defesa do Estado de direito no Brasil e isso diz respeito também às garantias educacionais.

Em momentos sombrios, a ação internacional pode suscitar estímulos combativos e de resistência que serão bem vindos e necessários, pois uma longa noite de inverno se anuncia.

(*) Diretor do Cursinho da Poli e presidente da Fundação PoliSaber.