A liberdade de informação e o abuso de direito

A globalização e a “evolução” dos meios de comunicação inegavelmente proporcionaram à sociedade a vivência mundial simultânea, com mecanismos eficazes de troca de informações e publicação de notícias.

O principal acesso das pessoas às mais diversas informações ocorre pela internet, capaz de em fração de segundos publicizar um acontecimento em nível mundial, nacional e/ou local. Saber sobre os fatos relevantes do nosso ambiente é imprescindível, mas requer, inafastavelmente, uma responsabilidade ímpar daqueles que se incumbiram do dever de informar.

A liberdade de informação possui estatura constitucional, a fim de evitar reprimendas indevidas como muito se observou no regime militar, o que, por outro lado, não retira a responsabilidade do “informante” (1§ 1º, do art. 220 da CRFB/88), principalmente na contemporaneidade em que um clique pode ser de grande valia ao corpo social, como pode ser irresponsavelmente desastroso.

Aqueles que se propõem a propagar informações devem se resguardar à imparcialidade, de modo a noticiar com segurança os acontecimentos, explicitando cautelosamente o que verdadeiramente se tem, sem qualquer inovação, incremento ou desvirtuação dos fatos.

No direito penal vivencia-se diariamente uma exposição irresponsável por parte dos meios de comunicação, seja os formais (jornais, revistas e etc), seja pelos informais, encabeçados pelos usuários de redes sociais. Relembremos, o direito de informar é legítimo, mas o abuso desse direito não.

Infelizmente, por vezes, a “mídia” no anseio de publicar a notícia, procede de forma inconsequente, preocupando-se única e exclusivamente com a publicação, sem qualquer avaliação do seu conteúdo, da veracidade ou mesmo dos pormenores dos acontecimentos. As redes sociais segue o mesmo caminho, interessam-se, em sua maioria, pelo apoio emocional das “curtidas”, dos “likes” e do falso sentimento social de justiça. Lembremos-nos do caso da Sra. Fabiane Maria de Jesus2.

O processo penal possui peculiaridades tormentosas, em que uma simples investigação, não de hoje, vira um espetáculo midiático, no qual a atração principal, como aberração, é o ser humano. Não se pode olvidar, ainda, de um movimento indevido pela criminalização do exercício da advocacia criminal.

Não estar a se defender o crime, mas apenas o devido processo legal penal e a responsabilidade com as informações, pois uma fagulha de enviesamento nas “notícias” pode ocasionar uma injustiça, esta repudiada, inclusive e falaciosamente, por aqueles que manipulam ou criam informações a partir de abusos.

A liberdade, a honra, a imagem e demais direitos da personalidade são valores inerentes aos seres humanos, que merecem proteção peculiar, devendo-se, portanto, ser rechaçado energicamente quaisquer abusos cometidos contra

aqueles que participam do processo ou mesmo da cotidiana vida social. Reafirma-se, o direito de informar não possibilita o direito de abusar.

Tanto é assim, que o Supremo Tribunal Federal (ADPF 130) afirmou que “se é certo que o direito de informar, considerado o que prescreve o art. 220 da Carta Política, tem fundamento constitucional (HC 85.629/RS, rel. min. Ellen Gracie), não é menos exato que o exercício abusivo da liberdade de informação, que deriva do desrespeito aos vetores subordinantes referidos no § 1º do art. 220 da própria Constituição, “caracteriza ato ilícito e, como tal, gera o dever de indenizar”.

Em específico ao processo penal, o Prof. Francesco Carnelutti traçou elementos lineares à problemática midiática e a deficiência estatal:

“Ao homem, quando recai a suspeita de ter cometido um delito, é dado ad bestias, como se dizia em tempo dos condenados, oferecido comida às feras. A fera, a indomável e insaciável fera, é a multidão. O artigo da Constituição, em que se tem a ilusão de garantir a incolumidade do imputado, é praticamente inconcebível com aquele outro artigo que sanciona a liberdade de imprensa. Basta apenas ter surgido a suspeita; o imputado, sua família, sua casa, seu trabalho, são inquiridos, requeridos, examinados e despidos na presença de todo mundo. O indivíduo, desta maneira, é transformado em pedaços. E o indivíduo, recordemo-nos, é o único valor que deveria ser salvo pela civilidade.”

[…]

“Tanto mais grave é a deficiência, que agora se pôs às claras, enquanto o imputado não é culpado, que declara sua inocência, é o único modo para reparar o dano que injustamente lhe ocasionou. Verdadeiramente, se não cometeu o delito, significa que deve ser absolvido, aliás nem sequer devia ter sido acusado. Não terá existido malícia por parte de quem suspeitou dele; terá sido um daqueles erros aos quais, infelizmente, nós, os homens, estamos irreparavelmente sujeito; a culpa será das circunstâncias que enganaram a polícia, o Ministério Público, o juiz instrutor, mas, em suma, existiu erro; a sentença de absolvição por não ter cometido o fato ou por inexistência do delito contém não somente a declaração da inocência do imputado mas, ao mesmo tempo, a confissão do erro cometido por aqueles que o arrastaram ao processo.”3

Vê-se, portanto, o necessário e imprescindível cuidado com as informações, pois o investigado, o indiciado ou o acusado só podem ter recaída a condenação imutável, após o trânsito em julgado da condenação.

Por outro lado, a informação, seja qual for, jamais poderá ser feita com abusos, pois mesmo aquele que transita no território de um processo penal, ainda que cerceado do exercício de sua liberdade, deverá ter resguardado seus direitos da personalidade.

Herick Feijó Mendes – Membro CJA