A nossa eterna aflição com a morte

ÉRICO VERÍSSIMO*

“O mais espantoso de todos os males, a morte, não é nada para nós, pois enquanto vivemos, ela não existe, e quando chega, não existimos mais… Assim como não é a abundância dos manjares, mas a sua qualidade, que nos delicia, assim também não é a longa duração da vida, mas seu encanto, que nos apraz”.

A morte do cinegrafista, fotógrafo e skatista Ewerton de Souza, de 40 anos, conhecido como “Tom Hawk”, assim como tantas outras mortes trágicas no trânsito de Boa Vista, não pode ser considerada mais uma para estatística e muito menos uma mera fatalidade. Atingido violentamente por uma carreta, na segunda-feira (26), quando ia de skate para o trabalho, ele foi vítima da imprudência e do desrespeito característicos do típico motorista brasileiro, que pouco se importa com quem divide o mesmo espaço e não dá a mínima para as regras de civilidade, entre elas, as que regem o código de trânsito.

Segundo testemunhas, a carreta estava em alta velocidade e invadiu o sinal vermelho. O motorista nega e afirma que Tom ‘entrou na frente do veículo’. É bem provável, dada a dinâmica do acidente, que a versão de quem testemunhou seja a verdadeira: o skatista foi vítima de erro humano (não de uma mera fatalidade, repito!), mas de um erro não dele, e sim de quem dirigia o caminhão.

Era sabido de todos que o skate era o veículo de Tom. Ia para o trabalho com ele, diariamente. Difícil imaginar que, conhecendo o trânsito boa-vistense como ele conhecia e sabendo como se ‘comportar’ sobre as rodinhas, tenha tentado atravessar a rua fazendo ‘piruetas’.

Não o conheci na intimidade, não éramos amigos. Mas tivemos alguns contatos. Ele trabalhou por um tempo numa relojoaria no Centro onde costumo ir. Pareceu-me cativante, comunicativo e super atencioso. Um detalhista, preocupado em atender bem o cliente e fazer recomendações sobre como conservar quaisquer relógios levados à sua loja para conserto.

Era fácil perceber que Tom era um cara da paz, que sabia cultivar amizades e se dedicava da melhor maneira possível àquilo que fazia, ainda que fosse um simples trocar de bateria de relógio. Fica fácil saber por que a morte dele causou tanta comoção e nos deixou, no mínimo, atônitos. São aquelas coisas que nos pegam de surpresa e são difíceis, senão impossíveis, de explicar dada a nossa limitação de entender o que está além da nossa materialidade. Pela lógica, não foi fatalidade, foi um erro estúpido, alheio, que tirou a vida de um ‘jovem’ de 40 anos com muita vontade ainda de andar de skate e longboard. Pelo emocional, só Deus explica por que foi permitido que ele fosse embora tão cedo.

O trânsito precisa ser repensado, redesenhado, redefinido. Caminhões pesadíssimos circulando no horário de pico e disputando espaço com veículos pequenos, é inconcebível. Tom partiu deixando neste mundo dois filhos pequenos e milhares de amigos que não mais o verão praticando esportes radicais. Talvez não saibamos nunca o porquê, talvez muito menos nos caiba entender.

Só nos resta, então, ficarmos com as palavras do filósofo grego Epicuro: “O mais espantoso de todos os males, a morte, não é nada para nós, pois enquanto vivemos, ela não existe, e quando chega, não existimos mais… Assim como não é a abundância dos manjares, mas a sua qualidade, que nos delicia, assim também não é a longa duração da vida, mas seu encanto, que nos apraz”.

Vá em paz, Tom!

*O autor é editor-adjunto do RORAIMA em Tempo. e_verissimo@hotmail.com