Com a intenção de serem porta-vozes de seu povo, três artistas indígenas brasileiros estão na Europa realizando uma turnê denominada ‘Perspectivas indígenas brasileiras: partilha, solidariedade e ação’. A iniciativa reúne exposições e apresentações artísticas, bem como rodas de conversas em universidades e parlamentos europeus.
Um dos participantes da turnê é o artista plástico e escritor da Raposa Serra do Sol, em Roraima, Jaider Esbel. Para completar o trio que tem o índio macuxi roraimense, a turnê conta ainda com a artista, especialista em Direitos Humanos e praticante espiritual, Daiara Figueroa, que representa o povo indígena Tukano; e a advogada especialista em propriedade intelectual e educadora de arte, Fernanda Inácio, que é do povo Kaingáng.
Esta semana o grupo participou de uma roda de conversa sobre as ‘Perspectivas indígenas brasileiras sobre o patrimônio cultural e mudança climática’, em Amsterdã, na Holanda. O encontro foi na Universidade Leiden, onde Fernanda faz doutorado.
A programação segue até o dia 24 de abril, quando os indígenas ainda vão percorrer Suíça, França e Inglaterra. Eles já estiveram em Portugal, Bélgica e Suíça. Jaider Esbell explica que a finalidade principal da intervenção é “fazer várias conexões com os assuntos globais sob uma perspetiva da arte indígena” para discutir os temas propostos e também buscar apoiadores para suas causas pelo velho mundo. “É juntar esforços que já estão sendo falados em todos os campos da política com o reforço da arte indígena contemporânea”, resume, lembrando que todas as ações têm contado com apoio de instituições como universidades e institutos de artes por onde eles passam. “São várias ações por seis países e em cada um deles é uma ocasião distinta. O que a gente faz é adaptar a nossa fala para a realidade do contexto ao qual estamos, conforme o público, mas sem sair dessa perspectiva de fazer um ativismo político com embasamento científico e conhecimento empírico, levando também essa realidade Brasil pós eleição 2018, como as coisas no país estão se concretizando a partir das ameaças históricas e a conquista do poder pela extrema direita”, explica.
Segundo ele, os encontros são feitos por meio de falas dos indígenas, interação artística e intervenções que apresentam suas visões de mundo, a partir da própria perspectiva de cada artista. “Eu tenho me apresentado como artista indígena que sou, da Raposa Serra do Sol. A ideia é falar com o mundo, num diálogo global, a partir da minha aldeia”, observa.
A finalidade maior dos indígenas brasileiros é discutir assuntos importantes utilizando a arte para levar essas questões para outras pessoas, pois entendem que as ações artísticas “podem levar qualquer assunto para outros caminhos com muito mais força e rapidez”.
Jaider ressalta que, ao mesmo tempo, o grupo pretende aprender sobre como se reorganizar socialmente. “No Brasil, pelo menos, os movimentos sociais estão desorientados e pressionados por ações neoliberais. Então, a gente está propondo que a arte entre nesse novo educar social e cultural. Além disso, estamos levando um forte componente para essa discussão que é a espiritualidade indígena”, informa, lembrando que a ideia é aliar conhecimentos tradicionais à ciência acadêmica para que juntos encontrem saídas para questões como aquecimento global e desflorestamento.
“A nossa expectativa é mostrar o lado positivo das realidades indígenas com beleza, elegância, com arte e alegria. Falar de todas as dores que sempre são faladas em todos os movimentos indígenas, mas agora com a intenção de conectar novas pessoas, novo movimento que precisa ser organizado, levando essa força da arte, da energia e da espiritualidade”, conclui.
OS ARTISTAS
JAIDER ESBELL: Artista indígena macuxi, povo transfronteiriço que vive em torno do Monte Roraima, entre o Brasil (RR), Venezuela e Guiana. Esbell é o neto da entidade cultural Makunaima que está no centro da criação do mundo para o seu povo.
Em 2009, recebeu a bolsa Funarte de escrita criativa com o livro de neo-contos ‘Terreiro de Makunaima – Mitos, lendas e histórias vividas’. Entre 2013 e 2014, ensinou cultura amazônica nos Estados Unidos. Em 2016, ganhou o Prêmio Pipa online de Arte Contemporânea.
O artista publicou vários artigos em revistas de arte como Select e artigos científicos como o da Iluminuras da UFRGS. Uma de suas exposições mais importantes é a ‘Mira-Artes Visuais dos Indígenas’, que reuniu artistas indígenas do Peru, Bolívia e Equador (UFMG/2013). Desde 2016, o artista vive exclusivamente de arte e tem seu espaço criativo em Boa Vista, onde vive e desenvolve diversas atividades interculturais.
DAIARA TUKANO: Do povo Tukano do Alto Rio Negro, é mestre em Direitos Humanos, artista plástico e coordenadora da Rádio Yandê, a primeira web rádio nativa do Brasil (www.radioyande.com). Ela é uma das primeiras mulheres de seu povo a ter sido introduzida na espiritualidade tradicional Tukano, estudando medicina sagrada com seu pai durante as cerimônias.
Daiara considera que o ativismo é um exercício de consciência para integração com a natureza, para trabalhar juntos a cultivar uma sociedade mais justa e respeitosa, honrando a dignidade de todos os seres vivos. Para ela, tudo é espiritualidade: arte, relações políticas e sociais, assim como nossa busca por uma compreensão mais profunda do universo.
FERNANDA INÁCIO BELFORT: Conhecida no movimento indígena brasileiro como Fernanda Kaingang, pertence ao povo Kaingang do sul do Brasil. Ela foi assessora da presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai) em 2003 e é membro fundador do Instituto Indígena Brasileiro de propriedade (Inbrapi) e Instituto Kaingang (INKA), trabalhando principalmente na distribuição de direitos indígenas a povos e organizações indígenas nas cinco regiões brasileiras e às agências das Nações Unidas.
Fernanda Kaingang foi a primeira advogada indígena no sul do Brasil. Desde 2004, participa das reuniões da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e é uma das negociadoras indígenas do Comitê Intergovernamental sobre Propriedade Intelectual sobre Recursos Genéticos, Conhecimento Tradicional e Folclore da Organização do Patrimônio Mundial. Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) em Genebra.
Ela é professora de arte Kaingáng no ponto de cultura Kanhgang Jãre, na terra indígena Serrinha, no sul do Brasil, professora de direitos indígenas e leciona em diferentes instituições de ensino superior desde 2011.