Por Gilberto Alvarez (*)
O ensino médio esteve sob os holofotes da grande imprensa nos últimos dias. Ganhou destaque a manifestação do Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão assessor do MEC, que indicava a oportunidade de transformar o ensino da instância híbrida de certificação escolar, com 60% de ensino presencial e 40% de Ensino à Distância (EAD).
Assim que o tema ganhou visibilidade e repercutiu não somente na grande mídia, mas também nas redes sociais, o MEC recuou e divulgou nota afirmando que a medida não seria levada a efeito.
A iniciativa, porém, desvelou a presença de novos atores políticos e institucionais na composição do CNE e, coincidentemente, mostrou que esses novos atores, indicados pela iniciativa privada e pelo Sistema S, propuseram e defenderam o projeto; algo, aliás, bastante parecido com o modo de atuar desses setores no segmento do ensino médio.
Vale lembrar que há pouco tempo o ensino médio também ocupou manchetes porque se ensaiava a redução no número de disciplinas obrigatórias, a fragilização do ensino de humanidades e se anunciava o regresso triunfante de expedientes profissionalizantes que se pareciam muito com a estrutura que o País deixou para trás quando, em 1988, com a Constituição Cidadã, enterrou os despojos da ditadura civil militar. A proposta foi percebida como arremedo do conteúdo profissionalizante da Lei 5691/1971, que teve efeitos desastrosos sobre a educação brasileira e sobre a escola pública de modo singular.
Também vale lembrar que alguns meses antes dessa controvérsia o ensino médio também esteve na berlinda porque a sociedade, especialmente com a mobilização dos coletivos de educadores e pesquisadores em educação, percebeu que os conteúdos deste ensino que estavam em discussão para preparar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foram podados nos seus componentes críticos, como aqueles relacionados ao tema gênero, e mostravam a influência de um repertório argumentativo perigosamente muito parecido com as falas produzidas no âmbito do “Escola sem partido”.
Percebe-se, então, que o Brasil está há meses anunciando o desmonte do ensino médio, sua descaracterização e sua adaptação às estruturas operacionais de agentes que investiram na EAD.
Se todas as propostas foram rechaçadas e, como resultado, recuos estratégicos foram efetivados pelo MEC, é sinal de que um laboratório de ensaio está em operação e dinâmicas de convencimento estão sendo urdidas enquanto o desmonte é concatenado.
O governo federal investiu significativas somas com propaganda em todas as mídias, em horários os mais onerosos, para colocar em circulação a narrativa do novo ensino médio, uma etapa de ensino “finalmente atenta à vontade do jovem”; uma vontade, segundo o MEC, que só é respeitada quando esse jovem pode escolher “o que interessa para seu futuro profissional”.
Não é casual que a secretária executiva do MEC tenha manifestado estranhamento em relação às críticas à redução do tempo presencial nas escolas de ensino médio.
Segundo ela, o ensino médio, tal como está, “não serve para nada”.
Servirá se for adaptado aos pacotes de venda casada, com combos promocionais, tal como propagandeiam os empresários da EAD?
Servirá se for reduzido às bases profissionalizantes que, na verdade, são estratégias de precarização em nome do “saber o que interessa”?
Servirá se as “palavras perigosas” não estiverem presentes nos conteúdos de modo a evitar desgastes junto às “famílias de bem”?
Mais uma controvérsia apareceu, mais um recuo estratégico foi comandado.
Mais uma evidência de que o ensino médio pode estar à beira de um completo sucateamento se mostrou nas palavras das próprias autoridades encarregadas de defendê-lo.
Os recuos resultaram da resistência.
Resistir tornou-se imperativo num tempo em que conglomerados bancários se apresentam para explicar porque o ensino médio precisa atender “às necessidades do país”.
(*) Diretor do Cursinho da Poli e presidente da Fundação PoliSaber.