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“Gestão pública no Baixo Rio Branco precisa ser discutida e repensada”, afirma pesquisador da UFRR

Há muito tempo que ações pontuais e isoladas passaram a ser desenvolvidas na região do Baixo Rio Branco, localizada no Sul do estado de Roraima, mas nenhuma delas tem continuidade e as comunidades ribeirinhas permanecem isoladas e sem desenvolvimento.

Os problemas com a falta de políticas públicas sérias e comprometidas para região são percebidas em diversas áreas, apesar da riqueza natural existente e que poderia ser explorada para o sustento da população ribeirinha. “É uma região complexa que precisa ser estudada, pois pouco ou quase nada se tem sobre a realidade dessas comunidades”, afirmou o professor Antonio Veras, da Universidade Federal de Roraima (UFRR), coordenador do projeto ‘Baixo Rio Branco: potencialidades e vivências’.

Segundo o pesquisador, é mais do que urgente e necessária uma discussão sobre as potencialidades e vulnerabilidades dessa região de modo que políticas públicas sejam construídas para “se alcançar finalmente o ordenamento dessas comunidades”.

Para subsidiar o poder público com informações detalhadas sobre a região é que as pesquisas do projeto estão sendo feitas por meio de expedições ao Baixo Rio Branco. Duas visitas já aconteceram e a terceira está prevista para o mês de setembro. Durante quatro anos nós vamos fazer um mapeamento de toda realidade social, econômica e cultural dessas comunidades justamente para depois montarmos um relatório técnico e mostrar para essas gestões, seja a nível federal, estadual e municipal, que há a necessidade de uma atenção especial a essas comunidades, independente de quais são os setores”, ressaltou.

Segundo o coordenador, todas as áreas demandam atenção ao mesmo tempo em que “a região é hiperprodutora”. “Só para ter uma ideia, no período de defeso, tem comunidade que produz mais duas mil toneladas de cupuaçu. A questão do extrativismo é forte, fabricam polpa do cupuaçu e também de açaí. No entanto, em vez de o gestor implementar alguma política pública voltada para a comunidade, para estimular a geração de emprego e renda, o que acontece? Entra a figura do atravessador”, denuncia. 

O professor continua, alertando que mesmo com toda essa riqueza, os ribeirinhos se submetem aos atravessadores porque inexiste estrutura para escoar essa produção, pelo menos, para as sedes dos municípios de Rorainópolis e Caracaraí para comercialização. “Na nossa visita, em maio, mais de 20 toneladas de cupuaçu foram vendidas para atravessadores, que vão com seus barcos buscar os produtos nas comunidades, comprando a ‘preço de banana’”, alerta.

Ele explicou que a falta de políticas públicas para as diversas áreas que precisam de atenção, bem como a descontinuidade de ações pontuais, foram as constatações que levaram a UFRR a pensar em um projeto direcionado para o Baixo Rio Branco.

Por isso a preocupação de fazer esse levantamento. Existem alguns trabalhos, mas são pontuais. Não são pesquisas que tragam, futuramente, conhecimentos para se elaborar políticas públicas de ordenamento territorial. E a ideia é montar um relatório realmente consistente. A Universidade vai fazer o papel dela, enquanto instituição, e dará visibilidade a essas comunidades que não são assistidas pelo poder público com relação à estrutura e serviços”, ressaltou.

Pesquisadores apontam deficiências nas áreas de Educação, Saúde e Saneamento

Já nas primeiras expedições, realizada pela equipe de pesquisadores da Universidade Federal de Roraima (UFRR), Federal de Rondônia (UNIR), Federal do Ceará (UFC) e Universidade de São Paulo (USP), foi possível identificar as principais deficiências nas áreas de saúde, educação, e saneamento básico e de energia.

O coordenador do projeto pontuou algumas delas à reportagem do EducaRR. Segundo ele, apenas a comunidade de Santa Maria do Boiaçu possui um mini ambulatório, com médico, para atender os moradores das 17 comunidades que formam a região ribeirinha. “Algumas delas [comunidades] têm o agente de saúde e mais nada. Não tem medicação. Ou seja, se alguma pessoa for acometida por uma doença grave, ela tem que se deslocar ou para Santa Maria ou para Moura e Barcelos, no Amazonas”, alerta.

Já na área da Educação, o professor destacou que, mais uma vez, apenas em Santa Maria do Boiaçu existe escola com ensino médio. “Ao concluir o ensino fundamental, se a família pode, encaminha os filhos para lá. Do contrário, ficam presos e isso pode causar uma ociosidade nos jovens porque a sobrevivências deles é o extrativismo e a pesca”, observa.

Outra deficiência apontada pelo grupo é quanto a falta de saneamento nas comunidades ribeirinhas. Segundo Veras, recentemente a Funasa iniciou a instalação de algumas estações de água e caixas d’água porque até então em toda a região os moradores tomavam água direto do rio. “Mas nem todas as comunidades foram contempladas. E tem algumas que foram, mas que já está com problema de vazamento, ou seja, fata monitoramento e manutenção”, denuncia.

A exploração do turismo na região, de acordo com o professor, também precisa ser discutida e repensada, uma vez que a atividades turística praticada no Baixo Rio Branco ocorre de forma excludente, o que não beneficia as comunidades ribeirinhas. O pesquisador explica que a pesca esportiva, por exemplo, “não explora a realidade e vivências das comunidades”.

Aproveita apenas a mão de obra como prático do barco, camareira ou cozinheira. Mas o turista chega de Manaus em Santa Maria [vem de helicóptero], e de lá a pessoa segue para o barco, onde fica hospedado e não fica na comunidade. Em alguns casos perdidos, os turistas param para comprar um artesanato, mas na maioria das vezes isso não acontece”, analisa.

Pesquisa fará levantamento populacional da região

Uma das coletas que está sendo feita pela equipe de pesquisadores vai apresentar um recenseamento da população do Baixo Rio Branco, por faixa etária e por gênero. “Na próxima expedição de setembro, alunos de mestrado e doutorado, que estão desenvolvendo suas dissertações e teses na região e vão coletar até ao final dos quatro anos um levantamento populacional de todas as comunidades até mesmo para termos uma ideia se a população é nova ou idosa”, explica.

Haverá ainda uma pesquisa específica sobre a questão energética na região. Atualmente, as comunidades utilizam geradores para ter energia elétrica e pagam apenas uma cota para a concessionária. No entanto, os ribeirinhos foram informados que existe a intenção da concessionária em instalar medidores de energia nas comunidades. “Se isso acontecer de fato, com certeza, muitos moradores não terão condições de sobreviver no baixo rio Branco. Porque nossa energia é cara e vai prejudicar quem trabalha com o extrativismo e a pesca, quando não terão condições de armazenar seus produtos em refrigeradores”, observa.

Outro aspecto que o projeto vai trabalhar é quanto ao papel da mulher nessas comunidades. Segundo o professor Veras, na comunidade de Caicubi, por exemplo, são as mulheres que saem para pescar o peixe ornamental, comercializados para Europa também por atravessadores. “Também encontramos mulheres nas casas de farinha, navegando, as parteiras, cuidando dos filhos, ou seja, são verdadeiras guerreiras”.

O PROJETO

O projeto “Baixo Rio Branco: Potencialidades e Vivências” foi elaborado pelo Instituto de Geociências da UFRR) para concorrer a um edital da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), que liberou recursos do programa nacional de cooperação acadêmica da Amazônia (Procad). O projeto é desenvolvido em parceria com outras universidades: UNIRR, UFC e USP.

Após os primeiros contatos com as comunidades ribeirinhas, a equipe de pesquisadores do projeto foi convidada para apresentar um primeiro levantamento sobre a região em um evento em São Paulo, que será realizado no dia 2 de setembro. “A ideia é conquistar mais parceiros, no sentido de trazer mais conhecimentos para determinadas áreas porque nosso objetivo não é de apenas identificar, mas trabalhar as potencialidades, dar alternativas para que esses recursos cheguem até essas comunidades para que elas façam o uso sustentável das riquezas hídrica e natural que eles possuem”.

Por Alexandra Sampaio

Equipe EducaRR