Ronaldo Mota*
Muitas vezes me perguntam, com certa ironia, se seria possível um curso de graduação de Medicina na modalidade educação a distância (EaD). Todas as vezes, sem titubear, respondo: “Tanto em Medicina como em um conjunto de outras carreiras, a formação exclusivamente a distância não seria adequada; porém, acho que seria igualmente inadmissível um curso contemporâneo de Medicina sem as ferramentas da educação interativa baseadas nas tecnologias digitais”.
Na verdade, as terminologias que separam abruptamente as modalidades presencial e a distância são anacrônicas e favorecem pouco o inexorável futuro de uma educação flexível, híbrida e personalizada. Essas denominações foram consolidadas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira de 1996. Seria injusto exigir dos educadores e legisladores de então que tivessem a premonição do que seria este mundo atual em termos de absoluta preponderância das tecnologias digitais.
A adequada formação de um médico, bem como dos demais profissionais na área da saúde, demanda que eles dominem a utilização de plataformas digitais e de tecnologias móveis e que tenham familiaridade com realidade virtual imersiva, impressoras tridimensionais e com técnicas de modelagem e simulação. Aquilo que era uma opção na formação do profissional do passado passa hoje a ser experiência obrigatória para qualquer formando na área. A simples dificuldade em operar sistemas digitais mais sofisticados pode, na prática, inviabilizar que um médico usufrua das facilidades que a Telemedicina e outros tantos recursos inovadores propiciam. Recentemente, a McKinsey&Company apresentou um Relatório sobre tendências e perspectivas internacionais acerca da dinâmica das organizações responsáveis por saúde em direção ao mundo completamente digitalizado. O Relatório aponta que há mais de 20 anos os detalhes de gestão das instituições de saúde já estão completamente digitalizados, mas, segundo o Relatório, esta onda é cosmética comparada com as novidades em curso e aquelas que ainda estão por vir.
O estado do Rio Grande Sul acaba de adotar, com aval da Sociedade Brasileira de Oftalmologia, a Oftalmologia a distância. Trata-se de inovador projeto de Telemedicina que prevê, conforme reportagem do jornal Folha de São Paulo, reduzir em 40% a fila de espera pelos procedimentos. Os pacientes
das unidades básicas de saúde serão encaminhados a 8 consultórios espalhados pelo estado, onde serão atendidos por técnicos de enfermagem. Estes conduzirão a parte física e presencial do exame oftalmológico (pressão ocular etc.), supervisionados por oftalmologistas em tempo real a distância, os quais são abastecidos por imagens teletransmitidas via uma plataforma de telessaúde.
Ainda que de forte impacto a cada um dos milhares que aguardam nas filas de atendimentos oftalmológicos, o caso em pauta é somente um pequeno exemplo dos recursos que gradativamente estarão sendo disponibilizados aos profissionais de saúde para enfrentar os gigantescos desafios em que estão envolvidos.
Há inúmeros outros casos ilustrativos na área. Este ano completa dez anos o Programa Telessaúde Brasil Redes do Ministério da Saúde, reconhecido pela Organização Panamericana da Saúde como exemplo aos demais países, o qual oferece laudos diagnósticos de eletrocardiogramas, retinografias na detecção de retinopatias diabéticas, entre outros serviços, além da segunda opinião aplicada à atenção primária à saúde.
Progressivamente, faremos uso cada vez mais intenso de “big data” agregando informações variadas sobre saúde, incluindo determinantes genéticos de doenças, controles de expressão gênica e as interações de indivíduos com ecossistemas. O mundo da internet das coisas, dispositivos baseados em nanotecnologia e inteligência artificial, entre outras novidades, por certo, darão novo significado para Medicina, área onde as novidades devem emergir com velocidades aceleradas nos próximos tempos.
Atualmente é imprescindível uma educação superior na área de saúde que incorpore no processo de formação básica desses profissionais as competências e habilidades no uso de múltiplas ferramentas digitais. A Telemedicina, por exemplo, deverá fazer parte obrigatória dos currículos, bem como técnicas para propedêutica médica a distância e o uso de ambulatórios didáticos virtuais.
Por fim, o uso apropriado de tecnologias e metodologias educativas interativas deverá propiciar a formação de redes de educação colaborativas integradas, via a articulação de desenvolvedores de conhecimento e o compartilhamento de infraestruturas laboratoriais de ensino, tanto em nível nacional como internacional.
*Reitor da Universidade Estácio de Sá