Metacognição em três atos

Ronaldo Mota*

Cognição diz respeito aos processos associados à aquisição de conhecimentos. Metacognição se refere àquilo que transcende a cognição, onde tão importante quanto o que foi aprendido é a reflexão, por parte do educando, sobre a própria aprendizagem. Ou seja, a prática consciente do aprender a aprender, despertando a percepção do aprendiz acerca de como se aprende.

O século XX representou o apogeu das metodologias centradas nos processos cognitivos, dada a enorme compatibilidade com o atendimento das demandas. Por sua vez, a metacognição estabelece com o mundo contemporâneo pertinência diferenciada, mostrando-se indispensável para pensar os dilemas educacionais atuais.

Para ilustrar a metacognição, vejamos três casos elucidativos. O primeiro diz respeito a um hábito que o repetimos ao irmos ao banheiro, logo cedo, todos os dias. Bastante comum nos depararmos com um piso cerâmico e um tapetinho para os pés. Evitamos o “frio” do piso cerâmico e sentimos conforto no abrigo “quente” com os pés no tapete. Ocorre que tanto o piso como o tapete estão à mesma temperatura. Se alguém está em temperatura diversa deles é nosso corpo (em torno de 36o C).

Por que então a diversa sensação? Os átomos e as moléculas que compõem os materiais estão em constante agitação térmica e quanto maior for o movimento dessas partículas maior será a temperatura dos objetos. Calor está associado à transferência dessa energia térmica entre materiais a diferentes temperaturas. Quando em equilíbrio, não há transferência de calor entre eles.

No entanto, piso ou tapetinho, ao entrarem em contato com o corpo mais quente, dele recebem calor, enquanto o corpo humano se esfria. As velocidades com que o calor é transferido do corpo a cada um deles são diferentes, sendo que o piso cerâmico, diferentemente do tapete, é um ótimo condutor de calor e, portanto, conduz calor rapidamente. Assim, mesmo com conhecimento superficial dos conceitos envolvidos, a metacognição, baseada na reflexão metódica, contribui com elucidar o enigma. Somos estimulados a seguir o mesmo método, sobre qualquer outro tema, ao longo do restante do dia.

Um segundo caso, inspirado no filme “O homem que eu escolhi”, um convidado seu em sua casa, ao se servir de um drink, escorrega em uma pedra de gelo caída no chão minutos antes. Como resultado do forte choque da cabeça do convidado com a sua mesa, ele vem a falecer. Há duas hipóteses: a) você pode ser acionado como responsável, ainda que involuntário, pela morte, com as consequências decorrentes, ou b) você é totalmente inocente, ao ponto de poder, se assim o desejar, demandar do inventário do falecido o ressarcimento dos danos causados em sua mesa.

Juridicamente há somente uma pergunta a ser feita e ela demanda uma visão de complexidade que inclui supor que a pergunta está incompleta. E a única resposta no caso é depende. Depende se o convidado foi à sua casa sem convite e neste caso cabe a ele se adaptar às condições de vida que você adota, incorrendo ele nos riscos e nas consequências. Ou, alternativamente, se você o convidou e neste caso cabe a você garantir as condições de segurança do convidado, incluindo evitar o risco de um descuidado piso molhado. No primeiro caso, prevalece a hipótese a) acima, e no outro, a hipótese b). Este caso ilustra a metacognição que vai além de perguntas ou respostas

simples, sugerindo que na vida temos, predominantemente, casos complexos, onde as questões tal como apresentadas, na maioria das vezes, podem ser insuficientes para se permitir chegar a consistentes soluções.

Por fim, um terceiro caso onde a metacognição sugere uma abordagem metodológica educacional. Foi sugerido a uma turma de alunos um tema polêmico, aborto, sendo parte da turma a favor e outra contrária. O procedimento padrão indicaria solicitar à parte da turma a favor do aborto que escrevesse enfaticamente sobre esta opção e valendo o mesmo para aqueles contrários. Por sua vez, a abordagem metacognitiva inverteria, tal que aqueles contrários ao aborto seriam desafiados a escrever sobre situações excepcionais nas quais eles eventualmente poderiam aceitar o aborto. Aos defensores do aborto seria colocada a tarefa de discorrer sobre a questão de limites ou efeitos indesejáveis de uma permissividade abusiva.

A grande vantagem de tal postura é demonstrar que pessoas, fazendo uso de legítimos raciocínios, podem chegar a conclusões respeitáveis, ainda que bem diversas das suas. Neste caso, a postura metacognitiva, que transcende a solução simples, resultou em aumento dos níveis de tolerância e da capacidade de entender o outro por se colocar na posição do outro.

A metacognição explora elementos que a cognição pode, eventualmente, desconsiderar. A partir dos três casos acima, a adoção do método, a noção da complexidade e o exercício da tolerância, podemos afirmar que o mais relevante foi termos ampliando nossa consciência acerca de como, afinal, aprendemos.