É fundamental termos políticas públicas que favoreçam as estratégias de adaptação às mudanças do clima, principalmente nas áreas urbanas, que vão concentrar mais de 80% da população mundial nas próximas décadas |
Por Juliana Baladelli Ribeiro* São cada vez mais fortes as evidências de que a mudança do clima está causando impactos negativos no modo de vida da sociedade e no funcionamento dos ecossistemas. Já sabemos que enfrentar este cenário desafiador não é uma missão para o futuro, e sim uma prioridade para os nossos dias. Afinal, se não formos capazes de agir de forma estratégica, as condições de vida para amplas parcelas da população serão cada vez mais prejudicadas, com riscos elevados para a saúde, segurança hídrica, segurança alimentar, infraestrutura urbana, entre outros aspectos. O sexto relatório síntese do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, da sigla em inglês), um órgão que reúne cientistas do mundo todo sob a chancela da Organização das Nações Unidas (ONU), é muito claro ao atualizar o cenário preocupante das mudanças do clima do planeta. O documento, lançado em março de 2023, ressalta a urgência de implementar medidas de mitigação do aquecimento global e ações para a adaptação às transformações que estão em curso. Temos que agir ainda nesta década, avançando rapidamente na redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) e na adaptação dos territórios aos impactos já identificados, visando reduzir perdas e danos. O lado positivo é que os cientistas indicam que já estão disponíveis os recursos e as tecnologias para adotar as medidas necessárias em busca de um desenvolvimento socioeconômico resiliente ao clima. Os custos para a obtenção de energia eólica e solar diminuíram, assim como a tecnologia para armazenamento de energia e baterias teve grandes avanços, com custos 85% menores, o que possibilitará o avanço na adoção de fontes mais limpas. Isso é essencial, visto que precisamos reduzir 100% das emissões de GEE até 2050, sendo 50% até 2030. Por outro lado, o desenvolvimento resiliente ao clima torna-se mais difícil de ser alcançado a cada incremento no aquecimento da temperatura média global. As opções de adaptação que são viáveis e eficazes hoje se tornarão cada vez mais restritas e menos eficazes conforme o aquecimento global vai avançando. Infelizmente, algumas mudanças já são irreversíveis, como derretimento de geleiras, destruição de ecossistemas, desertificação e perda de biodiversidade. Diante desta realidade, alguns municípios já estão realizando ações de adaptação, ainda de forma reativa devido ao impacto direto em seus territórios. Planos de adaptação municipais são essenciais para direcionar as políticas públicas e investimentos necessários, mas a mudança do clima deve ser tratada de forma integrada nos diversos setores da administração pública, como saneamento, mobilidade, habitação, saúde, cultura e meio ambiente. É fundamental termos políticas públicas de adaptação cada vez mais abrangentes, principalmente nas áreas urbanas, que vão concentrar mais de 80% da população mundial nas próximas décadas. Inovação e tecnologia são palavras-chave nesse processo, mas é muito importante compreender que a natureza deve estar no centro das soluções. As chamadas Soluções Baseadas na Natureza precisam fazer parte deste novo modelo de desenvolvimento. Nesse sentido, a criação de unidades de conservação marinho-costeiras que permitam a restauração e preservação de ambientes que estão na linha de frente da proteção da costa, como manguezais, recifes de corais, dunas e restingas, é essencial para a resiliência climática. São exemplos práticos de como as cidades litorâneas podem contar com os ecossistemas naturais como estratégia de adaptação e mitigação, já que os manguezais também são capazes de absorver e reter carbono atmosférico, contribuindo para o equilíbrio do clima. A natureza no entorno das cidades exerce um papel de filtro, melhorando a qualidade dos recursos hídricos que abastecem os centros urbanos. Além disso, essas áreas são essenciais para a conservação da biodiversidade, formando uma malha verde que acompanha os recursos hídricos e interliga diferentes ecossistemas. Nas cidades, as áreas naturais podem agregar serviços ambientais como a regulação do microclima local, aumento da permeabilidade do solo, reduzindo o risco de enchentes e enxurradas, e melhoria das condições ambientais de forma geral, garantindo maior contato da população com a natureza, fator tão importante para a nossa saúde e bem-estar. Os parques lineares às margens dos rios são ótimos exemplos de Soluções Baseadas na Natureza no ambiente urbano, pois permitem o fluxo natural das águas, a permeabilidade do solo e a preservação da biodiversidade. Chegou a hora de incorporar a lente climática às políticas públicas já existentes, principalmente no planejamento urbano. Não é mais possível se basear em séries históricas que já não condizem com a realidade e, principalmente, com os desafios dos próximos anos. As cidades devem se preparar para o aumento da frequência e da intensidade dos eventos climáticos extremos e os gestores, em todos os níveis, precisam compreender que a natureza é parte da solução, também para os ambientes urbanos. *Juliana Baladelli Ribeiro é gerente de projetos da Fundação Grupo Boticário |