O mal-estar dos professores

Por Gilberto Alvarez (*)

O projeto Todos pela Educação e a Fundação do Banco Itaú, denominada Itaú Social, divulgaram pesquisa que contemplou o tema da satisfação dos professores com a profissão docente.

Segundo essa pesquisa, apenas 21% dos docentes se sentem plenamente realizados e satisfeitos com a profissão.

São números, de fato, alarmantes. Mas é necessário analisar esses dados levando-se em consideração, nessa “fotografia”, aquilo que aparece de imediato daquilo que permanece nas entrelinhas, nas bordas das imagens.

O Brasil consolidou, a partir da década de 1970, um sólido sistema de pós-graduação, por mais paradoxal que isso possa parecer num país que até hoje tem inconsistências no âmbito da educação básica.

Mas o fato é que, a partir daquela época, o país passou a produzir de modo sistematizado um número significativo de dissertações e teses sobre educação.

O primeiro doutorado em Educação foi defendido em São Paulo, em 1971.

À medida que os Programas de Pós-Graduação em Educação se estruturaram alguns temas se mostraram mais presentes do que outros.

Se por um lado as questões que relacionavam educação e política e educação e trabalho foram buscadas por centenas de pesquisadores, por outro lado a pesquisa educacional brasileira ocupou-se continuamente com o tema da profissão docente, sua profissionalidade e seus temas específicos.

É importante lembrar esse passado recente não exatamente para afirmar que a iniciativa do Todos pela Educação e do Itaú Social não é inédita, mas sim para reconhecer sua importância e assinalar que o tema faz parte da tradição brasileira de pesquisa educacional.

Na década de 1990, por exemplo, entre as “queixas docentes” mais recorrentes despontava o tema da falta de homogeneidade nas turmas, com alunos com diferentes trajetórias e capital cultural, todos reunidos na mesma sala de aula, proporcionando “entraves” ao trabalho docente.

Essas “queixas” proporcionavam densas análises a respeito do quando a educação na forma escolar, ou seja, nas dinâmicas que exigem trabalhos sincronizados e simultâneos, produzia, ao mesmo tempo em que incluía e escolarizava, exclusões e escolarizações incompletas.

Neste início do século 21 tornou-se mais intenso o lamento em relação à deterioração das condições de trabalho.

Nesse sentido, antes que as questões salariais despontassem como exemplo da desvalorização do trabalho do professor é importante lembrar que predominavam queixas relacionadas à instabilidade.

Continuamente os professores se queixavam de que tinham que trabalhar em muitas escolas ao mesmo tempo, pois nenhuma oferecia condições de estabilidade e permanência.

Portanto, tentavam chamar atenção para as características que o trabalho docente estava adquirindo. Tornava-se, em muitas circunstâncias, um trabalho itinerante e fracionado.

E sempre despontava o registro de que o professor dependia de cargas exaustivas de trabalho para conseguir completar ganhos mínimos à subsistência.

O início do século XXI “estabilizou” uma nova queixa, a de que os professores se sentiam “pouco preparados”.

Essa queixa coincide com os resultados de uma dinâmica levada a efeito na década de 1990 quando uma espantosa abertura de licenciaturas privadas foi incentivada com princípios meramente mercantis.

Empresas educacionais foram estimuladas a oferecer os “cursos mais baratos”, entre os quais dominantemente as licenciaturas.

Se a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB 9494/1996, exigiu que a formação de professores fosse obrigatoriamente derivada da certificação em nível superior, uma vitória política sem sombra de dúvida, por outro lado, os cuidados governamentais com a estruturação do ensino superior foram nulos, e estimularam grande mercantilização e expressiva e constrangedora opção pelo aligeiramento.

Neste momento, a insatisfação docente soma vários aspectos desse passado recente.

O professor não se encontra insatisfeito apenas com defasagens salariais.

Está em andamento um processo de ressignificação das palavras valorização e desvalorização.

No âmbito da desvalorização se instala uma questão que inevitavelmente se dirige à sociedade e ao Estado em particular.

A questão que se apresenta diz respeito aos limites do desrespeito. Até onde nossa sociedade caminhará até que reconheça a docência como central na própria organização do Estado e do país?

Na soma das pesquisas encontramos um ator social, o professor, menos queixoso de seus ganhos e mais um sujeito político a falar de reconhecimento e legitimidade.

Reconhecimento e legitimidade são palavras chave da democracia.

Diz respeito a ser possível indicar rapidamente o que importa, o que predomina, o que é imprescindível.

Que o incômodo dos professores traga para nossas lutas políticas a substância que alimenta a convicção de que reconstruir o país passa, necessariamente, pela escuta respeitosa e reverente das queixas desses que não são sacerdotes realizando um ofício baseado na entrega pessoal e no “chamado vocacional”.

São sim, como já afirmava Emile Durkheim no fim do século 19, profissionais e sujeitos políticos capazes de elucidar os que nos faltou no passado, o que nos prende no presente e o que haverá de nos emancipar no futuro.

(*) Diretor do Cursinho da Poli e presidente da Fundação PoliSaber.