O crime de sonegação de contribuição previdenciária encontra-se previsto no art. 337-A do Código Penal, que estabelece pena de reclusão de 2 a 5 anos e multa. Para que se configure o delito, o agente deverá suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária ou “acessório” por meio das seguintes condutas: I – omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto pela legislação previdenciária segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a este equiparado que lhe prestem serviços; II – deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços; III – omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias.
No caso apreciado, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra o sócio administrador de um Consultório Médico por ter deixado de recolher contribuições previdenciárias dos segurados, da empresa e do Seguro por Acidente de Trabalho relativamente a pagamentos realizados a empregados e contribuintes individuais nas competências de agosto de 2004 a junho de 2009.
A Ação penal também pediu a condenação do contador pelo mesmo delito, de forma concorrente, pois “na qualidade de responsável pelo preenchimento das GFIPs, teria colaborado com a sonegações fiscais”. O Juízo Federal da 2ª Vara da Seção Judiciária do Estado da Bahia julgou improcedente a pretensão punitiva estatal, nos termos do art. 386, VII, do Código de Processo Penal, e absolveu o profissional contábil da prática do crime previsto no art. 337-A do Código Penal. O MPF interpôs apelação criminal para o Tribunal Regional Federal da 1ª Região buscando a reforma da sentença e a condenação do contador, mas a 3ª Turma daquela Corte manteve a decisão absolutória.
O voto do Juiz Federal convocado firmou-se na assertiva de que o fato de ser contador da empresa, por si só, não atrai a responsabilidade criminal, seja como autor ou co-autor do delito. De igual modo, não se vislumbrou a obtenção de vantagem ou a colaboração consciente e espontânea para as sonegações. O magistrado destacou ainda o seguinte precedente:
PENAL E PROCESSO PENAL. ART. 337-A DO CP. SUPRESSÃO DE CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. CONTADOR. PARTICIPAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO DA EMPRESA. INOCORRÊNCIA. AUTORIA DELITIVA NÃO-COMPROVADA. ABSOLVIÇÃO. 1. A comprovação da autoria em crimes desta natureza se dá pela efetiva participação na gestão e administração da empresa, e o fato de ser o contador da empresa, por si só, não atrai a responsabilidade criminal pelo delito imputado, sendo indispensável para o juízo condenatório a comprovação de efetiva colaboração para o crime. 2. Também não é suficiente para caracterizar co-autoria, que exige consciente colaboração para o crime, pois não tem o contador da empresa o dever de impedir a efetivação do crime e não há prova de efetiva e consciente participação ou colaboração na conduta delitiva. 3. A conduta do contador responsável pela escrituração contábil de uma empresa de acordo com as diretrizes traçadas pelo administrador da pessoa jurídica, lícitas ou não, não caracteriza adesão ao crime tributário, salvo se provado que obtinha, direta ou indiretamente, qualquer vantagem decorrente das omissões ou sonegações. 4. Comprovado que o acusado não detinha poder de decisão ou ingerência sobre as áreas administrativa e financeira da empresa, não é possível atribuir-lhe a responsabilidade penal pelo delito imputado, impondo-se a absolvição com base no art. 386, IV, do CPP. (TRF-4 – ACR: 1793 RS 2005.71.05.001793-9, Relator: Relator, Data de Julgamento: 18/08/2009, SÉTIMA TURMA, Data de Publicação: D.E. 02/09/2009)
Abaixo, transcreve-se a ementa do acórdão:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ART. 337-A DO CÓDIGO PENAL. CONTADOR. PARTICIPAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO DA EMPRESA. INOCORRÊNCIA. AUTORIA E DOLO NÃO COMPROVADOS. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA MANTIDA. 1. Ao acusado foi imputada a prática do crime de sonegação de contribuição previdenciária, previsto no art. 337-A do Código Penal. 2. Conforme entendimento jurisprudencial, o fato de ser o contador da empresa não atrai a responsabilidade criminal pelo delito em comento, visto que a autoria em crimes desta natureza se dá pela efetiva participação na gestão e administração da empresa. 3. O contador da empresa não tem o dever de impedir que o crime se efetive. 4. O princípio in dubio pro reo tem fundamentação no princípio constitucional da presunção de não culpabilidade, impondo a absolvição quando não houver prova segura da prática do crime. 5. Esse entendimento também está assentado no parecer do Ministério Público Federal, o que reforça as razões de decidir. 6. Sentença absolutória mantida por seus próprios fundamentos. 7. Apelação não provida. (ACR 0015012-92.2014.4.01.3300, JUIZ FEDERAL JOSÉ ALEXANDRE FRANCO (CONV.), TRF1 – TERCEIRA TURMA, e-DJF1 19/12/2018 PAG.)
A decisão do TRF da 1ª Região deixa clara a impossibilidade de responsabilidade criminal do contador apenas em virtude de sua obrigação contratual de prestador de serviços e responsável pela transmissão das informações ao Fisco, sendo imperiosa a demonstração do dolo como elemento do tipo penal.
Hamilton Brasil Feitosa Júnior. Advogado Tributarista. Bacharel em Direito pela UFRR. Especialista em Direito e Processo Tributário pela Escola Paulista de Direito – EPD. MBA em Direito, Gestão e Business Law pela FGV (em conclusão). Membro da Comissão Especial de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB. Sócio do Escritório Pelegrini & Feitosa Advogados.