Trabalho na economia solidária vai além de ganhos financeiros, afirmam costureiras

Não se trata apenas de alcançar uma fonte de renda para ajudar sua família. Trata-se de transformação e realização pessoal e profissional, oportunidades e liderança. É tudo isso junto que as mulheres costureiras da Cooperativa de Empreendimentos Econômicos Solidários de Boa Vista (Coofecs) conquistam a cada dia nesses 10 anos de existência da organização. Ao todo, 18 mulheres fazem parte da Coofecs, que é uma das entidades atendidas pela Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares e Empreendimentos Solidários da UFRR.

Antes de se juntarem em cooperativa, elas faziam parte de associações de bairros que eram atendidas pelo governo estadual para criação dos Centros de Produção Comunitários (CPCs), espalhados por vários bairros da cidade. Inicialmente, os trabalhos eram feitos independentes em cada bairro. A oportunidade serviu de experiência para capacitação e início de uma jornada que anos mais tarde iria reunir todas essas mulheres pelo cooperativismo.

Quem nos conta essa história é a atual tesoureira da Coofecs, Maria dos Santos. Ela lembra que durante muitos anos buscaram uma forma de ampliar o trabalho que faziam com costura e outros trabalhos manuais, buscando sempre capacitações nessas áreas. Mas um dos principais problemas que o grupo do bairro Santa Teresa enfrentava, eram os custos altos com matéria-prima e a falta de um CNPJ para emissão de notas fiscais. “Durante as inúmeras palestras e encontros que fizemos, a gente conheceu a economia solidária. Em 2008, quando buscava informações para melhorar nossa atuação, através da Incubadora da UFRR começamos a pensar na cooperativa para que a gente pudesse pegar um trabalho melhor, ‘tirar’ uma nota, comprar material fora do estado por um preço mais em conta”, lembra.

Mas no Santa Teresa só tinham 10 mulheres. Não era o suficiente para criar uma cooperativa. Foi aí que o grupo passou a procurar parcerias com as mulheres das associações de outros bairros para iniciar a Coofecs. “Tinha que ter, no mínimo, 20 pessoas. Procuramos então o grupo do Cauamé, do Alvorado, do Jóquei Clube, e conseguimos reunir 22 mulheres”, conta.

Após a criação, as costureiras passaram por diversas capacitações e foram estimuladas a participar de seleções que ofereciam recursos para empreendimentos de economia solidária. Foi assim que as costureiras da Coofecs conseguiram, pela primeira vez, comprar uma quantidade grande de matéria-prima fora do Estado e nunca mais ficaram à mercê do mercado local, que elevava o custo da produção. “O primeiro que ganhamos foi do prêmio Samuel Benchimol. Nós usamos o recurso para multiplicar nossa produção. Compramos material fora e, desde então, passamos a ter fornecedores certos para comprar tecidos e malhas”, comemora.

Os editais seguintes ajudaram na aquisição de 19 máquinas de costura. O trabalho da cooperativa consiste na confecção de uniformes de modo geral e costura de roupas diversas, além de trabalhos por encomenda e consertos de roupas. Hoje, além do ateliê que funciona em um centro cultural cedido pelo governo do estado, elas montaram um lojinha para vender os uniformes escolares.

Com a transformação financeira e pessoal de cada uma das mulheres que participam da Coofecs, o grupo resolveu ir além. Decidiram há cerca de três anos utilizar as máquinas antigas, já substituídas, para oferecer capacitação gratuita para as pessoas à procura de uma ocupação no mercado de trabalho.

Era uma forma de ajudar quem procurava um trabalho, mas também qualificar futuras profissionais para a cooperativa. “Como a gente tinha também dificuldade para arranjar pessoas para trabalhar na nossa área, pensamos em colocar cursos para pessoas do próprio bairro. Estamos no sétimo curso, todos gratuitos. Uma pessoa que fez o curso com a gente hoje trabalha na Cooperativa e tem duas outras que ajudam nos cursos, ensinando também. A gente quer é multiplicar. Sabemos de pessoas que já estão desenvolvendo a costura em casa para o sustento de sua família, outros saíram de Roraima e com o curso conseguiram emprego. Conseguiram uma ocupação”, comemora, lembrando que as últimas capacitações foram voltadas para imigrantes venezuelanas.

Para Maria, a experiência que vive com a Coofecs representa uma melhoria na sua vida como um tudo. “Não se resume apenas a ganhar um pouco mais. Nem é tanto assim. Mas conseguimos garantir a partir de um salário mínimo”, comenta. Ela avalia que experimentou uma mudança de dentro para fora. “Quando se vive apenas dentro de casa, é uma coisa. Quando passa a trabalhar fora a gente se sente outra pessoa. Hoje a gente se sente dona de si, tem opinião própria, sabe o que quer da vida, não é presa como antes”, comemora.

Outro orgulho da maioria das mulheres que participaram da cooperativa é contribuir com os estudos dos filhos, além de ajudar no orçamento da família. Dona Maria dos Santos, por exemplo, conta que pagou a faculdade da filha mais velha, que se formou recentemente em Administração. “Hoje, enquanto não consegue um lugar no mercado de trabalho, ajuda na organização da cooperativa”, diz, lembrando que em 2020 vai formar a segunda filha no ensino superior, em Serviço Social. “Elas dizem que se espelham muito no que eu faço. É por tudo isso que acho que essa mudança na vida da gente influencia no futuro dos nossos filhos”, conclui.